O presidente da Portugal Nuts - Associação de Promoção de Frutos Secos revela que a amendoeira lidera os aumentos de área e admite que o país ainda não é autossuficiente nas nozes, mas a produção continua a crescer, sobretudo no Alentejo.
Qual a visão e experiência no que toca à forma de assegurar a inovação num setor tradicional como este? O setor dos frutos secos, e falo fundamentalmente das fileiras da amêndoa e da noz por serem as dos nossos associados, tem sido alvo de uma modernização significativa nos últimos 10 anos. Neste período, renovaram-se e instalaram-se novas plantações, recorrendo às técnicas mais inovadoras e ao que de melhor se faz no mundo. A eficiência no uso do recursos e inputs, que se tem observado noutras culturas tem nas novas plantações de amêndoa e noz a sua maior expressão. É um setor que respondeu rapidamente ao desafio da inovação. Isso prova que havia muito para melhorar. E a evolução verificada não ocorreu só numa região, mas está a acontecer de norte a sul do país.
Ser sustentável sai mais caro ao produtor? Ou é um mito? Se atentarmos no longo prazo, ser sustentável é o melhor investimento. O nosso objetivo é transmitir às próximas gerações os recursos naturais que as nossas propriedades nos disponibilizam numa situação mais favorável do que aquela em que os encontrámos. Enquanto produtores de culturas permanentes, mais importante se torna este aspeto. Há que conhecer muito bem a situação base, planificar e agir em termos do que pode ser melhorado e do que deve ser mantido ou promovido, para que se chegue ao objetivo de preservar as capacidades produtivas das nossas explorações a longo prazo.
Quais os desafios em termos de gestão de água, esse recurso cada vez mais escasso no país e, em particular, no Alentejo?
Anos como este mostram bem a inevitabilidade de se ter de pensar no tema água e no regadio de forma estratégica, considerando diferentes opções de armazenamento estratégico para fazer face a anos de escassez ou com um regime pluviométrico muito concentrado no inverno, e não de forma reativa, apenas quando experienciamos situações de extrema gravidade. Segundo os alertas da ciência, anos como este têm tendência a ser mais frequentes e podemos vir a ter 6 a 7 secas por cada dez anos, nas regiões mais suscetíveis, no final deste século. São projeções que nos alertam para a urgência de agir de imediato. Temos algum tempo, mas não para ser desperdiçado.
A inovação caminha para um uso mais eficiente dos recursos, até para dar resposta às alterações climáticas?
Isso é realmente o que se espera da inovação. E que seja disruptiva. Que o que hoje parece impossível possa ser comumente utilizado amanhã. Conhecer a "relação" entre as raízes das plantas e a água no solo, saber exatamente quanto e em que momento regar e aplicar fertilizante são áreas onde a inovação irá continuar a dar respostas precisas, que serão transformadas em tecnologia, muito bem acolhida e rapidamente adotada pelos regantes, para benefício de todos.
Quanto à taxonomia ambiental, quais os desafios e oportunidades para o setor dos frutos secos? A taxonomia ambiental da União Europeia define um quadro que classifica atividades como ambientalmente sustentáveis, segundo o cumprimento de critérios técnicos de avaliação. Com base nessa avaliação, as atividades serão ou não elegíveis para instrumentos financeiros de investimentos. As culturas permanentes podem ser incluídas sempre que demonstrem potencial para contribuir significativamente para, pelo menos, um de seis objetivos ambientais bem definidos, sem comprometer gravemente qualquer dos outros cinco. A retenção de carbono na biomassa das árvores e a proteção da biodiversidade em escala ou outras práticas sustentáveis são exemplos que podem permitir investimentos financeiros que acelerem as metas ambientais da UE compreendidas no Pacto Verde Europeu. Mas são desafios a que a fileira estará atenta e pode capitalizar em oportunidades.
No setor agrícola, que potencial de crescimento tem a fileira dos frutos secos em 2023? A fileira dos frutos secos foi a que mais cresceu nos últimos 10 anos fruto dos investimentos de empresários agrícolas, nacionais e estrangeiros, assim como dos apoios decorrentes da aplicação dos fundos do PDR. Atualmente, continuam a instalar-se novos pomares de frutos secos e, os pomares plantados encontram-se em diferentes fases de crescimento, com produtividades distintas. A amendoeira lidera os aumentos de área, tendo nos últimos anos contribuído com mais 25 000 hectares, que podem gerar mais 60 000 toneladas de miolo de amêndoa, o que representa um potencial acrescido de 250 a 300 milhões de euros. As nozes nacionais ainda não chegam para satisfazer a procura interna. Mas vai continuar a crescer e é no Alentejo onde isso está a acontecer. A área foi multiplicada por 4 e o volume produzido ainda não acompanhou essa subida porque temos pomares jovens que ainda não estão em plena produção.
Para quantos mercados vende o cluster? Atualmente, a produção nacional, sobretudo de amêndoa, é exportada essencialmente para Espanha. De Espanha segue para diferentes geografias. No entanto, já estamos a explorar mercados como o italiano, alemão, entre outros. Há ainda um potencial de desenvolvimento da agroindústria do setor, nomeadamente da amêndoa, no sentido de criar produtos de maior valor acrescentado e nos permitir alargar vendas a outros mercados e outros tipos de clientes. De referir que em termos do mercado nacional têm sido desenvolvidas ações para promover a presença dos frutos secos nacionais nas prateleiras das grandes superfícies. Por exemplo, um operador da grande distribuição substituiu a marca "Amêndoas da Califórnia" por "Amêndoas" para permitir a entrada de outras origens nomeadamente a portuguesa.
E a que outros quer chegar este ano? O que se ambiciona no caso concreto da amêndoa e noz no mercado europeu é substituir parcialmente as importações, maioritariamente dos EUA, com produtos cultivados e transformados em Portugal. São opções com menor pegada de carbono uma vez terão cadeias de distribuição mais curtas.
A fileira acreditará que com um rótulo verde aumenta o potencial de venda e de PVP? As respostas dos consumidores são difíceis de antecipar. Mas acredito que uma rotulagem assente num sistema de verificação credível e entendível pelos consumidores poderá ajudar nas suas escolhas. Haverá sempre quem esteja disposto a pagar mais por marcas e produtos que respondam às suas preocupações e incorporem os seus valores e haverá outros para quem isso não seja uma prioridade. Um rótulo verde, como de forma simplificada lhe chamou, permitirá uma diferenciação da oferta e, estou em crer, a abertura de outros nichos de mercado de maior valor.
E os consumidores estão preparados para pagar mais? A pagar um PVP justo ambientalmente? Sim, como acabo de referir, já atualmente se nota esse tipo de comportamentos. Não só na área alimentar como noutras áreas do consumo. São maneiras de estar e escolhas como quaisquer outras. Por outro lado, convém referir que os frutos secos são porventura uma cultura de excelência no que concerne à circularidade e ao desperdício, na medida em que tudo se utiliza no fruto, desde logo o miolo, que tem diferentes tipos de aproveitamento em função da qualidade, e também a casca, com potencial de utilização tanto como biofertilizante, para alimentação animal, para produção de energia, entre outras. E como se trata de produtos com prazo de validade longo têm pouco desperdício na cadeia de valor e no consumidor final.
E nos mercados das exportações, que peso tem esta garantia e valor acrescentado de inovação e sustentabilidade? E de que forma é valorizado nas diferentes geografias? Os países nórdicos demonstram uma consciência ambiental exercendo o seu ato de consumo através da preferência por produtos que respondem a estes requisitos.
Como atrair investidores/produtores para esta fileira? Criando condições de atratividade para quem se pretenda estabelecer e investir nestas fileiras, de previsibilidade, com um enquadramento legislativo simples sem que se reduzam os padrões de exigência, e com incentivos para a promoção, valorização e exportação dos frutos secos nacionais. Imprevisibilidade é tudo aquilo de que os empresários menos gostam, seja nesta ou noutras áreas de atividade. Portugal reúne condições de solo e clima que asseguram janelas de produção precoces comparativamente às de outros países e dispõe de alguma previsibilidade de disponibilidade de água para mais de uma campanha, como é o caso das áreas beneficiadas pelo regadio de Alqueva.
E como atrair recursos humanos qualificados? Felizmente, essa é uma das preocupações para as quais temos tido uma boa resposta. A inovação neste setor e a adoção de tecnologia têm tido a capacidade para atrair gente jovem com qualificação e com vontade de aprender ainda mais. E a capacidade de remunerar os técnicos de forma competitiva, face a outras áreas de trabalho afins, tem levado à sua fixação.
Pode esta fileira ajudar no combate à desertificação? Essa é uma questão muito interessante... Vou-me focar na questão ambiental uma vez que a criação de valor, a atividade económica e o emprego gerados têm contribuído para o desenvolvimento do tecido social nos locais onde operam os processadores e onde se estão a instalar as modernas plantações de frutos secos. Para combater a desertificação, a conservação e a saúde do solo são aspetos centrais. Os nossos associados têm, cada vez mais, entendido esta relevância e as suas práticas agronómicas procuram os menores impactes e serem mais regenerativas. Respeitar e restaurar as linhas de água, minimizar ou evitar a mobilização do solo, manter o solo coberto com vegetação todo o ano e promover a biodiversidade, criando zonas não intervencionadas e aumentar a conetividade entre estas zonas e incorporar matéria orgânica são técnicas que contribuem para preservação dos nossos solos e da sua capacidade produtiva, travando a desertificação.
Nos frutos secos, e no futuro, qual será o new black? Do ponto de vista nutricional e benefícios para a saúde, os frutos secos são extremamente interessantes e têm sido cada vez mais aconselhados pelos profissionais de saúde para serem incorporados numa alimentação saudável, sobretudo com os frutos secos ao natural numa dose equilibrada. No entanto, existem também muitas outras possibilidades de explorar os frutos secos, em especial como snacks, como ingredientes em várias indústrias, pastelaria em destaque, e outro tipo de utilizações como sejam as bebidas vegetais, os óleos, etc., que permitem abrir novas oportunidades de consumo, sendo também interessante o consumo da amêndoa e da noz em verde, num consumo mais sofisticado e dirigido a consumidores específicos.
Fonte: Diário de Notícias, 24 Maio 2023
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